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Audiência pública sobre a PEC 280 tem ausência de representação do governo e opiniões contrárias à p

A Comissão de Defesa do Consumidor e Participação Legislativa Popular da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul realizou, nesta quarta-feira (14), audiência pública para debater os impactos da PEC 280, que altera a constituição estadual eliminando a obrigatoriedade de plebiscito para uma possível venda da Companhia Rio-grandense de Saneamento (Corsan), do Banrisul e da Companhia de Processamento de Dados do Rio Grande do Sul (Procergs). O debate virtual contou com aproximadamente 400 pessoas, mas não teve nenhum representante do governo do Estado, o que foi lamentado pela bancada do PT e participantes.

O deputado Edegar Pretto, que falou em nome dos proponentes da audiência pública, lembrou que o governador Eduardo Leite prometeu em campanha eleitoral não privatizar as estatais, mas agora, com o apoio da bancada governista está propondo o fim da obrigatoriedade de consulta à população para eventual venda das empresas públicas, tal qual o fez com a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), vendida no final de março por apenas R$ 100 mil. A PEC 280 é subscrita por 24 deputados aliados.

— O governo não quis participar do debate, então ficamos prejudicados, pois precisamos discutir um tema tão importante. O objetivo maior nós estamos alcançando, que é divulgar o absurdo que é a tentativa de privatização de empresas essenciais para o desenvolvimento do Estado — avaliou.

O parlamentar disse também que neste momento de luta contra a tentativa de venda do patrimônio dos gaúchos, a pressão popular é fundamental.

— A carta que a Famurs elaborou e foi enviada à Assembleia Legislativa e ao Governo do Estado tem grande importância, assim como as mais de 200 moções de repúdio à PEC também devem ser levadas em consideração. Precisamos fazer tudo o que tiver ao nosso alcance, pois precisamos exigir dos nossos governantes cuidado com as pessoas que mais precisam — sustentou Pretto.

A obrigatoriedade de consulta plebiscitária foi introduzida na Constituição Estadual após as privatizações de parte da CEEE e da Companhia Riograndense de Telefonia (CRT) no governo Antônio Britto. A revogação deste dispositivo é, para a bancada petista, um retrocesso.

— Querem tirar a obrigatoriedade do plebiscito para depois o governo começar a fazer o que pretende com as estatais. Estamos falando de empresas lucrativas e que contribuem com as finanças do estado — avaliou Edegar, apelando para que o governador tenha a mesma pressa que está tendo para vender o patrimônio dos gaúchos para produzir políticas públicas voltadas para garantir a vacinação e crédito aos comerciantes e aos pequenos e médios empresários.

— Essa é uma matéria inconstitucional. No mérito somos contra devido à importância das empresas e porque o tempo agora é de preservar vidas — observou.

O deputado Zé Nunes lembrou que como prefeito por oito anos teve muitos desafios, e que o saneamento foi um dos principais na administração de São Lourenço do Sul.

— O que está sendo posto em meio a uma situação dramática da pandemia é terrível. A água é um dos insumos mais importantes no combate à doença. De outra forma, temos que ressaltar a importância do Banrisul como entidade financeira capaz de levantar recursos aos pequenos produtores, aos empreendedores individuais e Eduardo Leite, rompendo a palavra dada em campanha de uma hora para outra. Não tem como desvincular a PEC da intenção de vender as empresas públicas —  disse.

A ausência de representante do governo também foi bastante criticada pelo deputado Valdeci Oliveira.

— O argumento do governo de que não vem porque haverá várias audiências é falho, e é um sinal de que o governo não quer discutir com a sociedade. Não quer debater sequer com os segmentos dos trabalhadores das empresas públicas — sentenciou.

Como prefeito de Santa Maria, Valdeci diz que compreendeu de perto o papel e a importância do Banrisul e da Corsan, pois os pequenos municípios da região só têm água, graças à Corsan.

— Quando for privatizada será para ter lucro, e as empresas não vão assumir os pequenos municípios. Ninguém vai comprar uma empresa falida ou que não dá lucro. O governo coloca muitas vezes que é um governo do diálogo, mas na única oportunidade quer retirar o plebiscito, pois sabe que a opinião pública não é favorável à entrega dos serviços públicos para a iniciativa privada  — pontuou.

Para a deputada Sofia Cavedon, a participação de quase 400 pessoas na audiência realizada na manhã de quarta-feira demonstra a importância do tema.

— Temos que fazer chegar a todos os deputados que estão se prestando ao saque ao patrimônio gaúcho, que a população está se mobilizando — defendeu a deputada, que ainda lembrou o exemplo de Tocantins, em que a privatização aconteceu em 1998, e em 2003 o Estado precisou criar uma autarquia para atender os pequenos municípios.

— Nossa mobilização tem que continuar. Já fizeram isso com a CEEE. Só a nossa luta e denúncias podem interromper esse processo nefasto — declarou.

Pepe Vargas disse esperar que os deputados e deputadas não permitam que o governador descumpra a palavra empenhada na campanha. Lembrou que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou dias atrás um parecer sem a realização de audiência pública, e que a votação do parecer da PEC na Comissão de Finanças também será sem a realização de audiências públicas.

— Quando fazemos audiência como essa, o governo não participa. Ficou evidente a falta de argumentos do governo gaúcho, que vai na contramão a tudo o que se faz no mundo. Qual é o governo que abre mão da segurança de seus dados. Já pensou os dados da segurança pública custodiados pela iniciativa privada? — ponderou.

Pepe comentou ainda que no mundo inteiro, o movimento é no sentido contrário, de estatizar empresas de setores estratégicos.

— É um verdadeiro absurdo. O governador deveria estar olhando o que a Inglaterra está fazendo, que é a criação de um banco público. O governador Leite vai na contramão, pois quer mostrar para o mercado que tem pretensões eleitorais — avaliou.

Entidades se manifestam contrárias à PEC

O diretor do Sindicato dos Bancários, Luciano Fetzner, disse que é um absurdo essa pauta estar sendo tratada em um momento em que a pandemia deveria consumir todos os esforços. Para ele, a PEC sugere que o povo gaúcho não teria condições de decidir sobre o futuro do patrimônio público.

— Não podemos deixar consolidar no RS esse projeto de desmonte do Estado. O ponto para nós é que respeitem a democracia, honrem a Constituição e debatam com a população. Por que o governo tem medo de debater com o povo gaúcho? — perguntou.

Um exemplo histórico, citado pelo dirigente sindical foi a abertura do capital do Banrisul durante o governo Yeda Crusius.

— O Banrisul gera lucro de mais de R$ 1 milhão por ano. É estratégico e fundamental para as políticas públicas. Entendemos que é dever dos deputados não permitirem que o governador cometa esse estelionato eleitoral — disparou.

Representando o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Estado do Rio Grande do Sul (Sindiágua), Arilson Wunsch, observou que a Corsan é responsável por todo o saneamento está em 317 municípios, mas está presente nos 497 cidades gaúchas. Se for privatizada, segundo o dirigente, a isenção de impostos federais que a Corsan dispõe será revogada e o povo passará a pagar mais pela água.

— Dizem que o estado só deve se responsabilizar pela saúde, educação e segurança, mas água também é saúde e se privatizar, não haverá mais esta garantia — afirmou.

Wunsch lembrou que a companhia conta com um programa de perfuração de poços que leva água a todos os municípios, inclusive aqueles em que a Corsan não opera. Outro risco apontado pelo dirigente é o fim da tarifa social a 45 mil famílias de baixa renda.

— As empresas estatais foram criadas para levar água à população, e o que está acontecendo agora na Corsan é absurdo. Tem 5.600 funcionários e todos eles são concursados, e até 2014 havia apenas quatro cargos em comissão. O atual governo criou 21 cargos com altos salários — revelou.

A Federação dos Municípios do Rio Grande do Sul foi representada no encontro pelo presidente Maneco Hassen, que durante um ano de debates que a entidade vem realizando com o governador, sequer foi cogitada qualquer possibilidade de modificação na Corsan.

— O anúncio em março nos pegou de surpresa, justamente no pior momento da pandemia. A prioridade agora deveria ser o combate às consequências da pandemia, como o desemprego aumentando, crianças sem aulas, hospitais lotados e os prefeitos que estão com desafios enormes e ainda tem mais essa bomba em seu colo — criticou.

O temor do representante da Famurs é de que os pequenos municípios fiquem sem saneamento.

— A maioria dos prefeitos quer que a Corsan se mantenha pública e mesmo com as dificuldades de gestão, é uma empresa que dá muito lucro para o estado, e consequentemente para os municípios — avalia.

O ex-deputado, Carlos Eduardo Vieira da Cunha (PDT), que foi autor da PEC que tornou obrigatória a realização de plebiscito para privatizações, lembrou que a inclusão desse dispositivo na Constituição foi resultado da amarga experiência de privatizações no governo Britto, que não resolveu o problema das finanças do estado.

— As coisas só pioraram, e é falsa a ideia de que tudo que é privado funciona bem. A CEEE dava lucro, foi entregue e a qualidade dos serviços decaiu. Além disso, a RGE tem uma dívida milionária de ICMS — contou.

Disse ainda, que a Procergs é uma empresa essencial, e que o governador foi eleito para administrar, e não vender ou desfazer um compromisso de campanha. Vieira da Cunha afirmou que essa postura configura um estelionato eleitoral que envergonha o povo gaúcho.

— Como cidadão que sou, apelo aos deputados que não permitam este retrocesso. Ao povo cabe decidir o destino das empresas públicas. O debate é o plebiscito, com tempo de rádio igual para os favoráveis e contrários exporem suas ideias. Eles se empenham em retirar esse direito da Constituição porque sabem que se houver consulta, eles perderão — avaliou.

A secretária geral do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Processamento de Dados, Vera Guasso, defendeu que o direito do povo decidir deve ser preservado.

— Estamos voltando ao tempo da ditadura quando os generais diziam que o povo não tinha condições de decidir. Agora, um garoto está voltando ao passado e dizendo que o povo não tem o direito de decidir. Estamos falando de empresas estratégicas e importantes para o Rio Grande do Sul — pontuou.