Projeto de crédito emergencial para agricultura familiar é apresentado para a região da Serra gaúcha
A Frente Parlamentar em Defesa do Crédito Emergencial para a Agricultura Familiar realizou sua primeira audiência pública popular, na noite desta quarta-feira (23), e contou com a presença de mais de 90 lideranças e agricultores e agricultoras da região da Associação de Municípios da Encosta Superior e Campos de Cima da Serra. O encontro, que foi realizado de forma virtual, tem por objetivo dialogar sobre o Projeto de Lei 115/2021, de Crédito Emergencial para Agricultura Familiar. O coordenador da Frente é o deputado estadual Edegar Pretto (PT).
O projeto de Lei, proposto pela bancada do PT, propõe linha de crédito de R$ 50 milhões em crédito emergencial, através do Fundo Estadual de Apoio ao Desenvolvimento dos Pequenos Estabelecimentos Rurais (Feaper), em socorro ao setor que sofre um acúmulo de problemas. Os recursos ajudarão os agricultores familiares, camponeses, assentados, pescadores artesanais, quilombolas e suas organizações (associações, cooperativas e agroindústrias), especialmente as que têm como foco as compras institucionais, as feiras e produção para a subsistência.
A proposta construída de forma coletiva com movimentos e organizações do campo leva em conta os prejuízos sofridos pela agricultura familiar e de assentamentos com a estiagem e a crise da pandemia. A falta de investimentos na agricultura representa um grave problema que também atinge as cidades, com a falta de produtos e aumento no preço dos alimentos.
O deputado Edegar Pretto observou que a bancada lançou a Frente Parlamentar não por acaso. A partir dela, a bancada vai percorrer o RS fazendo reuniões em dez grandes regiões, organizando e pressionando para que este projeto saia do papel. Edegar falou da importância da organização das Câmaras e prefeituras. “Além da pandemia e todas as dificuldades que ela trouxe, os proprietários de agroindústrias e cooperativas sofreram com o período sem compras institucionais para escolas que estão sem aula, somado ao descaso do governo em não querer comprar da agricultura familiar.
Pretto informou que parlamentares foram portadores do documento entregue ao governador Eduardo Leite pedindo uma justificativa, pois além dos produtores não conseguirem comercializar, muitas crianças e famílias ficaram sem alimentos. “O governo gaúcho não comprou nada da agricultura familiar, e preferiu comprar alimentos de um atacadão”. Segundo o deputado, os produtores não receberam nenhuma ajuda do estado. Ele acrescentou que a agricultura familiar é um importante setor de produção de alimentos, que responde por 27% do PIB gaúcho. “Nossos agricultores familiares, mesmo de assentamentos, estão migrando para a produção de soja, porque não sabem mais o que fazer. Vamos ter cada vez mais áreas sendo ocupadas pela soja, e menos espaços para a produção de comida. Por isso, os preços sobem nos mercados todos os dias, e temos a cesta básica mais alta de todas as capitais do Brasil”.
O deputado comparou o financiamento da agricultura familiar no governo Tarso Genro, onde foram investidos R$ 106 milhões, contra R$ 25 milhões no atual governo. Ainda no governo Tarso foram investidos mais de R$ 200 milhões contra os efeitos da estiagem de 2012, com três fundos que fizeram a anistia da dívida daquele ano. Pretto reforça que agora, sem este incentivo, não é por acaso a situação atual. “Apresentamos um projeto e dissemos ao governo que não se preocupe com o protagonismo. Se não quiserem dar crédito à bancada, apresentem projeto semelhante. Não nos importa o protagonismo. Importa que o estado esteja presente auxiliando os agricultores”, sustentou Edegar.
O líder da bancada do PT e coordenador da reunião, deputado Pepe Vargas também destacou a importância do projeto. “Estamos num momento muito difícil para os agricultores familiares do nosso país. Nós perdemos o ministério responsável pela reforma agrária e por tantas outras políticas fundamentais para a população indígena, ribeirinhos, comunidades quilombolas. Perdemos instrumentos de políticas públicas que repassavam recursos. Não tem mais recursos do governo federal, e um conjunto de políticas foram destruídas e desconstituídas. No governo do Estado também. Tivemos duras estiagens sem nenhum apoio do governo estadual e federal”, lamentou.
O líder da bancada do PT na Câmara, deputado Elvino Bohn Gass, também participou da audiência e alertou que quem compra comida não pode pagar tão caro, e quem produz precisa ter renda, por isso tem que ter um estímulo especial do governo. “É esse apoio que vai equacionar essa conta”. Bohn Gass lembrou também que foi lançado o Plano Safra, mas nenhum pequeno produtor foi convidado, diferente do tempo dos governos Lula e Dilma. “É tudo muito ruim. Temos saudades quando tivemos nossos governos. Queremos um Plano Safra nacional construído com o diálogo com os produtores. O sinal que a bancada está dando é de reforçar um plano de desenvolvimento e incentivo à agricultura familiar”, ponderou.
Para Gervásio Plucinski, presidente da União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes), o principal trabalho das cooperativas vinculadas com a entidade é a produção de alimentos. “Então esse projeto e debate de valorizar nosso trabalho vem ao encontro de valorizar o agricultor familiar. Mas ele é mais do que incentivar a produção de alimentos, porque estamos num estado que cada vez menos produz alimentos. Esse projeto é importante para o Estado, para a segurança alimentar e para o jovem ter incentivo a permanecer no campo”.
Douglas Cenci, presidente da Fetraf Sul, lembra não ser novidade para ninguém as dificuldades que a agricultura tem enfrentado. “Grande dificuldade por conta do poder aquisitivo, temos um grupo grande de desempregados, a baixa valorização do trabalho. Essa proposta vem no sentido de fortalecer e impulsionar a agricultura familiar. O governo Leite está no seu terceiro ano de mandato e não conseguiu apresentar nada para a agricultura familiar”.
O presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar (Consea), Juliano Sá, disse que no início da pandemia o diagnóstico já era preocupante. As famílias que viviam com renda de até R$ 89,00 per capita, somavam mais de 374 mil famílias, mas este número está bem defasado. “Sentamos e apresentamos um conjunto de recomendações ao governador para as famílias que já sofriam com a estiagem, para incrementar as compras institucionais, mas o governador além de não fazer nada, virou as costas aos nossos agricultores”. Graças ao esforço da sociedade civil, afirmou Juliano, há um trabalho intenso de solidariedade. O MST, exemplificou, já distribuiu mais de 4 mil toneladas de alimentos no Brasil inteiro. O Consea já distribuiu mais de 500 mil quilos no RS. “Mas temos que ter muita responsabilidade, pois a cesta básica não pode ser assistencialismo nem política pública. Tem que ser uma ação emergencial. Hoje é necessário alavancar com recursos do estado a produção de alimentos, por isso enviamos à Assembleia Legislativa e ao governo do estado a recomendação para que este projeto seja aprovado imediatamente”.
O ex-Secretário de Desenvolvimento Agrário no governo Tarso Genro, Elton Scapini lembrou que os governos Sartori e Leite acabaram com o Plano Safra Estadual. “O nosso Plano Safra Estadual era complementar ao Plano Safra Nacional e articulava todas as políticas para a agropecuária e o desenvolvimento rural, por meio das várias secretarias, órgãos e os agentes financeiros do Estado como Banrisul, Badesul e BRDE, mas isso acabou”.
Manifestação de lideranças da região
Para Luiz Carlos Scapinelli, coordenador regional da Fetraf, faz falta ter governos comprometidos com a agricultura familiar. “Quantos agricultores familiares já foram, em outros governos, ajudados com pequenos açudes, com pomares, com hortas e recursos. Esse é o mínimo que nós queremos. Temos muita luta pela frente para reconstruirmos a nossa agricultura”.
O vereador Lucas Caregnatto, presidente da Comissão de Agricultura da Câmara Municipal de Caxias do Sul, disse ter conversado com os produtores que relataram muitas dificuldades por conta da pandemia e da falta de incentivos, especialmente o desmonte das políticas públicas. Ele afirmou que em Caxias a secretaria com menor orçamento é a da Agricultura, por isso a organização e a luta é muito importante para aprovação de um projeto que garanta um auxílio para o setor. “Conversamos com muitos produtores que estão felizes com essa iniciativa e torcendo pela aprovação deste projeto”.
Um dos representantes dos Campos de Cima da Serra, o ex-prefeito de Vacaria, Elói Poltronieri, defendeu que a agricultura precisa ter um crédito especial para poder sobreviver. Criticou a mudança do perfil da produção para as commodities. Lembrou do trabalho que o extinto MDA, e disse que a merenda escolar deixou de ser entregue, e com isso os agricultores deixaram de realizar as vendas institucionais. “O projeto vai possibilitar que os produtores tenham o mínimo de condições para continuar produzindo e manter a estrutura das cooperativas e agroindústrias e assim permanecer no campo.
Para Juarez Righez, da EcoNativa, é necessário ressaltar a importância da agricultura familiar e das cooperativas. “Aqui na nossa região a gente está tendo um baque cada vez maior nas pequenas cooperativas, pois estamos sendo excluídos de processos como o PNAE. Hoje não temos mais como competir com essas cooperativas grandes. Precisamos pensar na segurança alimentar e no alimento saudável”.
Marinêz Castagna, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ipê, observou que o crédito é o mínimo que os trabalhadores querem neste momento de tantas dificuldades. Segundo ela, os trabalhadores rurais ficaram muitas semanas sem vender seus produtos, mesmo sabendo que as pessoas na cidade estavam precisando. Destacou as famílias que trabalham na cadeia leiteira que estão enfrentando perdas significativas. “Queremos incentivar, mas como vamos fazer isso se eles estão trabalhando com prejuízo?”. Citou a negociação do preço mínimo da uva, que ficou muito abaixo do que esperavam. “Não precisaria muita coisa para termos direito. Este crédito é merecido, e precisamos de outras políticas voltadas para a agricultura familiar, por isso peço que as pessoas não desistam, pois estamos juntos lutando por melhores condições aos trabalhadores”.
Outro representante dos agricultores, Márcio Ferrari, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Farroupilha e representante do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), afirmou que o governo Leite virou as costas para os produtores, e mais que isso ainda retirou todos os incentivos. “Estamos na luta para sair de um imbróglio que o governo criou para justificar a falta de investimentos na agricultura, por isso o PL é fundamental para a agricultura, pois estamos passando por esta situação da seca e da pandemia”.
Para Augustinho Lorenzetti, representante da Cooperativa de Crédito Cresol, o projeto é importante e necessário. “Semana passada veio uma senhora nos visitar, ela trabalhava muito com feira. Como as feiras diminuíram na pandemia, ela está muito endividada. Ela estava vendendo a camionete onde ela transportava os seus produtos, seu filho precisou procurar emprego na cidade” desabafou.
Ricardo Fritsch, da Coopernatural de Picada Café, lembrou que muitos produtores que dependiam das feiras sofrem muito. “Esse governo fomenta a produção de ração para o ser humano e não de comida. E isso é triste, o dólar lá em cima. O governo fez um miserável auxílio emergencial e nem chegou às agroindústrias familiares. Esse projeto de crédito emergencial vem ao encontro das necessidades da agricultura gaúcha”.